A história do olho, Bataille

ÍndiceA primeira coisa que me chamou atenção nesse livro foi a relação entre a capa e o título. A malícia implícita própria do autor que escreve acerca do erotismo em ensaios teóricos acerca da temática. Confesso que tal relação me deixou perplexa ao descobri que o livro fora escrito no século XIX.

Logo nos primeiros capítulos, as cenas que presenciei causaram-me espanto. Não achei nada de escandaloso, mas fiquei imaginando a reação das pessoas ao lerem tais cenas. O narrador revela-nos sua idade e compartilha conosco sua angústia, palavra utilizada pelo próprio. A pouca idade do narrador demonstra que estamos vendo um adolescente descobrindo a sexualidade. A palavra Angústia fez-me refletir, pois penso que o autor queria nos mostrar que sexo era para o menino uma necessidade, assim tais vontades e atitudes não poderiam ser reprimidas.

A escolha das palavras denotam uma importância bastante metafórica, pois tais léxicos são relacionados para muitas pessoas a imoralidade, mas no contexto descrito elas mostram a naturalidade com que o autor abordou tal tema. A palavra Cu, por exemplo, é descrita por ele como sendo a mais bela entre as palavras. A relação entre Cu e Olho que o autor faz é bastante interessante.

A linguagem do autor é agressiva, mas coloca o autor dentro de uma cena crua e nua, literalmente. O leitor também é bombardeado por situações deveras chocantes para pessoas mais sensíveis.

As demais protagonistas Simone e Marcela parecem ser bastante antagônicas, mas somente aparentemente.  A relação entre as meninas, ambas de 16 anos, assim como o narrador, é bastante ambígua. Inicialmente, me parece ser de repulsa, pois Marcela parece ser uma mocinha bastante inocente, mas ao adentrar no mundo erótico de Simone e seu amigo, a menina passa a ter reações no mínimo exaltadas.

Simone ao contrário de Marcela, já demonstra ousadia desde o primeiro ato que presenciamos. E a cada atitude sua ficamos cada vez mais abismados com a naturalidade da menina. A descoberta do corpo feita por eles ganha um tom bastante depravado aos olhos de seus pais.

As figuras metafóricas do livro são bastante interessante. Podemos ver a obsessão do narrador e de Simone transparecer também quando viajam para Espanha. A menina conhece um homem que procura fazer todas as suas vontades, assim o autor leva os dois adolescentes as mais chocantes cenas. Sua excitação é levada a limites bastante discutíveis.

Bataille me levou a repensar muitas questões em relação a obsessão e a obscenidade. Levou-me a pensar acerca do início da puberdade. E acima de tudo me levou a perceber meus limites e a forma como encaro sua linguagem. Bataille é um autor para quem gosta de Literatura Erótica de verdade!

Travessuras da menina má, de Mário Vargas Llosa

Mário Vargas Llosa chegou há pouco tempo em minha vida e já arrebatou-me. Sua escrita, suas escolhas lexicais, seus personagens, suas histórias fizeram com que eu descobrisse o que o mundo havia descoberto em 2010, ano em que o autor ganhou o prêmio Nobel de Literatura.

Travessuras da menina má me parece ser seu livro mais famoso. Talvez porque conte uma história de amor. Apesar de os amantes relatados não serem personagens comuns do gênero. Ricardo e a menina má vivem um relacionamento bastante conturbado.

Logo no início do livro conhecemos Ricardo através de suas lembranças deIMG_20150413_220238[1] adolescente no bairro de classe alta Miraflores. O menino era tímido, mas possuía um grupo de amigos no bairro que era bastante tranquilo. Até que chegam duas irmãs do Chile que causam curiosidade nos meninos e receio nas meninas. As chilenitas se mostravam meninas modernas, pois andavam rebolando e usam roupas bastantes ousadas para a idade. Ricardo apaixona-se pela mais velha Lily. Eles andavam juntos como namorados, mas a menina nunca aceitou namorar com ele. A partir daí, Ricardo e a chilenita irão se reencontrar várias vezes.

A menina má age de uma forma bastante livre. Quanto a isso, não vejo problemas. Mas ao contrário de muitas pessoas, não senti empatia pela personagem. A forma como ela tratava o Ricardito me incomodou bastante. Não concordo com a relação feita por muitas pessoas de que uma mulher livre necessariamente precise tratar os homens como se eles fossem apenas objetos. As ações dela abrem uma discussão acerca do feminismo e da transgressão feminina. Lily seria uma mulher transgressora ou apenas uma mulher má?

Ricardito é um rapaz encantador, doce e apaixonado. Seu sonho é viver na cidade de Paris. Ele realiza seu sonho e torna-se tradutor já que sempre gostou de estudar línguas. Uma das partes mais interessantes é seu relato acerca do processo de tradução de textos literárias em russo.

O romance é narrada pelo próprio Ricardo, que nos conta sua deturpada relação de amor com a menina má. Suas lembranças e sentimentos vão nos dando peças do quebra-cabeça que é a personagem. O leitor precisa reconstruir a menina má através dos relatos de Ricardo. Fiquei me perguntando se ele seria um narrador infiel, mas a sutileza com que ele fala dela, sem agressões, sem repreensões, pode nos mostrar que Ricardo talvez a tenha amenizado, em vez de deturpar sua imagem.

O autor também toca em pontos da história peruana através do contato de Ricardo com seus parentes que continuam em Lima. Ele relata como a ditadura pesou na história peruana e como seu povo sofreu por conta dela. Também a desesperança da população diante dos problemas políticos. Outros temas abordados pelo autor passam pelo início da AIDS, pelo movimento hippie e outros assuntos ocorridos entre as décadas de 60 a 90.

A escrita de Llosa é enormemente influenciada por escritores franceses. Sua paixão por esse escritores e pela capital francesa é bastante visível. O erotismo por exemplo é fruto de sua admiração por Bataille e Sade.

Eu simplesmente amei cada cena, cada parte do livro.

Livro: Travessuras da menina má

Autor: Mario Vargas Llosa

Editora: Alfaguara

Tradução: Ari Roitman; Paulina Wacht.

Rei Lear, Shakespeare

As peças do Shakespeare não são fáceis, mas exercem um fascínio nos seus expectadores e nos leitores há vários séculos. Harold Bloom em seu livro “Shakespeare: A invenção do Humano” chegou a afirmar e defender que Shakespeare criou o conceito de homemdownload que nós conhecemos hoje. Qual seria a explicação do sucesso?

Shakespeare cria personagens que a partir de agora passam por transformações. Isso pode parecer comum hoje, mas na sua época foi revolucionário. As epopéias, tragédias e comédias antigas possuíam personagens arquetípicos, onde suas ações eram baseadas em características absolutas. Vejam o caso do jovem Aquiles, suas ações são baseadas em coragem e heroísmo. Ninguém pensaria o personagem descobrindo que não quer mais ser herói e passando por uma mudança de perspectiva. Já os personagens de Shakespeare mudam, refletem, transformam, como é o caso do nosso Rei Lear.

A tragédia inicia nos contando como o Rei Lear testa o amor de suas filhas e onde apenas Cornélia admite que ama o pai apenas como filha e nada mais. O Rei irritado deserda sua favorita e faz dela banida. O duque de Kent intercede pela moça e também acaba banido do reino. Mas este volta como Caio e oferece seus serviços ao confuso rei. Suas outras filhas tramam fazer de seu pai caduco pelas suas costas, mas o rei não acredita quando sabe dos seus planos.

O personagem mais interessante é o bobo, onde suas reflexões e piadas trazem a luz o que ocorre nos bastidores do reino. Ele surge como uma espécie de consciência para o pobre Lear. Ao passo que suas falas são os trechos cômicos da peça, também os são os trechos mais filosóficos. Suas reflexões ocorrem em momentos onde o Rei deve pensar e refletir acerca do que faz. É através dessas reflexões que o Rei Lear se apercebe da traição de suas filhas. E o mais interessante disso tudo é que nesse momento de lucidez do rei, o bobo tem sua voz calada dentro da trama.

A mudança de perspectiva do Rei Lear é bastante inovadora e diferente para época. Podemos perceber um pequeno traço do conceito de homem moderno, traçado por Shakespeare muito antes da Modernidade surgir. Além de engraçada e triste, a peça “Rei Lear” é bastante reflexiva acerca da morte, da velhice, do amor parental.

Excelente começo para adentrar a obra imortalizada de Shakespeare!

Editora: LP&M Editora