Senhor das Moscas, William Golding

Senhor das Moscas foi a obra-prima de William Golding, ganhador do premio Nobel de 1983. Seu sucesso não foi imediato, mas com o tempo tornou-se leitura obrigatória nas escolas norte-americanas. A estrutura escolhida pelo autor foi a alegoria, na qual este usa para discutir acerca da natureza do mal na humanidade, depois do pós-guerra. A maioria das criticas o discutem acerca da relação antagônica da democracia e do totalitarismo, ou ainda como uma alegoria para o mito da origem do mal cristão.

18767620_1798796460135869_8429832506873740176_nA obra nos conta sobre um grupo de crianças inglesas que após um acidente aéreo ficam presas em uma ilha, completamente sozinhas. De inicio, eles decidem escolher democraticamente o líder. O símbolo usado para a discussão é uma concha que um deles encontra perto da praia. Esta faz um barulho que faz com que os meninos entendam ser uma autoridade. Apesar dos esforços do líder escolhido, surge uma nova liderança que usa a força como argumento.

Apesar de parecer um livro de aventuras infantil, o livro discute questões sérias acerca da moral humana. Confesso que o livro não seria minha primeira opção para uma leitura e que não o considero um favorito. Mas O Senhor das Moscas me surpreendeu e me fez pensar em como a Sociedade ainda possui o conceito de criança proposto por Rousseau. Então, preferi abordá-lo de uma forma diferente para que possamos pensar na nossa visão de criança.

O conceito de criança atual é bastante recente. Até o século XIX, elas eram vistas como pequenos adultos. Assim, seus pais não precisavam manter seus cuidados por muito tempo. Depois disso, Rousseau nos apresentou uma criança inocente, com necessidade de cuidados por um longo tempo e que precisava ser defendida do mundo adulto. A partir desse momento, as crianças foram postas a parte desse mundo e foram colocadas no mundo da fantasia. Não me entendam mal, a fantasia faz parte do desenvolvimento infantil. O problema acontece quando as pessoas acreditam que elas são isentas de possuírem a condição humana do mal e da violência. Características, infelizmente, inatas ao ser humano.

William Golding nos mostra uma pequena amostra de uma sociedade humana feita apenas de crianças. Diante do abandono, da fome, da falta de cuidados, elas agem com violência, superstições, anarquia, e ao mesmo tempo com imposição. Suas ações e reações são pertencentes à condição do ser humano. Cada um de nós não pode negar que poderiam ter as mesmas atitudes.

O que me chamou a atenção foi a escolha do autor em utilizar personagens infantis. Talvez sua intenção tenha sido relacioná-las a chamada infância da humanidade, período em que os homens ainda eram tribais. Apesar da infeliz relação tentada pelo autor, não acredito que o progresso tenha ocorrido também na moral da humanidade. Não aceito que sociedades tribais, como as dos nossos índios, sejam impostas ao ‘progresso’ porque outra sociedade se pensa superior às demais, mas esta seria outra discussão, também apropriada à obra.

Voltando ao conceito de criança, Freud defendeu a existência da sexualidade infantil. Wallon, ao estudar acerca da afetividade do infante, soube da também existente crueldade pueril, posto que a afetividade precisasse ser trabalhada desde a infância. Poderíamos citar muitos estudos acerca do desenvolvimento infantil, no qual veríamos a incongruência do conceito de Rousseau.

Assim, precisamos pensar se, apesar de serem necessitadas de cuidados, de educação, de acompanhamento adulto, a criança é dotada da mesma condição inata a todo ser humano ou se a inocência as incapacita de atos cruéis.

Os cadernos de dom Rigoberto, Mário Vargas Llosa

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Todos sabem o quão é difícil escrever ou falar acerca de um livro com a qual se gosta muito. É o caso desse livro…

Os cadernos de dom Rigoberto é uma continuação de um romance anterior chamado Elogio da Madrasta. Infelizmente, só soube disso quando já o havia começado. Mas a leitura fora de ordem não atrapalha a apreciação da obra. Nesse, Lucrécia é uma jovem senhora que passou a morar com uma empregada, logo após sua separação com dom Rigoberto. A causa aparentemente teria sido as estripulias de seu enteado.

As obras são a inserção de Llosa no mundo das obras eróticas, e não podemos afirmar que foi uma iniciação sutil, como descreve a contracapa do livro.

O mais interessante é a mistura de gêneros que Llosa usa no romance. O tal caderno de dom Rigoberto traz diversos contos, narrativas e ensaios, onde podemos “ouvir” a voz do personagem-escritor. Durante a presente obra, dom Rigoberto não aparece nas cenas, apenas o vemos através de seus escritos. Ali também podemos conhecer uma Lucrécia sensual e submissa às fantasias de seu marido. Até onde irá essa face dela?

Logo no início, percebemos a malícia com que Fonchito age com a madrasta. E a grande discussão aqui seria se a infância é de fato esse reduto da inocência como Rousseau quis que nós acreditássemos. Ou será essa a grande fábula que nos foi contada no século passado?

Deixo a vós leitores apenas com questões e nada mais…

Travessuras da menina má, de Mário Vargas Llosa

Mário Vargas Llosa chegou há pouco tempo em minha vida e já arrebatou-me. Sua escrita, suas escolhas lexicais, seus personagens, suas histórias fizeram com que eu descobrisse o que o mundo havia descoberto em 2010, ano em que o autor ganhou o prêmio Nobel de Literatura.

Travessuras da menina má me parece ser seu livro mais famoso. Talvez porque conte uma história de amor. Apesar de os amantes relatados não serem personagens comuns do gênero. Ricardo e a menina má vivem um relacionamento bastante conturbado.

Logo no início do livro conhecemos Ricardo através de suas lembranças deIMG_20150413_220238[1] adolescente no bairro de classe alta Miraflores. O menino era tímido, mas possuía um grupo de amigos no bairro que era bastante tranquilo. Até que chegam duas irmãs do Chile que causam curiosidade nos meninos e receio nas meninas. As chilenitas se mostravam meninas modernas, pois andavam rebolando e usam roupas bastantes ousadas para a idade. Ricardo apaixona-se pela mais velha Lily. Eles andavam juntos como namorados, mas a menina nunca aceitou namorar com ele. A partir daí, Ricardo e a chilenita irão se reencontrar várias vezes.

A menina má age de uma forma bastante livre. Quanto a isso, não vejo problemas. Mas ao contrário de muitas pessoas, não senti empatia pela personagem. A forma como ela tratava o Ricardito me incomodou bastante. Não concordo com a relação feita por muitas pessoas de que uma mulher livre necessariamente precise tratar os homens como se eles fossem apenas objetos. As ações dela abrem uma discussão acerca do feminismo e da transgressão feminina. Lily seria uma mulher transgressora ou apenas uma mulher má?

Ricardito é um rapaz encantador, doce e apaixonado. Seu sonho é viver na cidade de Paris. Ele realiza seu sonho e torna-se tradutor já que sempre gostou de estudar línguas. Uma das partes mais interessantes é seu relato acerca do processo de tradução de textos literárias em russo.

O romance é narrada pelo próprio Ricardo, que nos conta sua deturpada relação de amor com a menina má. Suas lembranças e sentimentos vão nos dando peças do quebra-cabeça que é a personagem. O leitor precisa reconstruir a menina má através dos relatos de Ricardo. Fiquei me perguntando se ele seria um narrador infiel, mas a sutileza com que ele fala dela, sem agressões, sem repreensões, pode nos mostrar que Ricardo talvez a tenha amenizado, em vez de deturpar sua imagem.

O autor também toca em pontos da história peruana através do contato de Ricardo com seus parentes que continuam em Lima. Ele relata como a ditadura pesou na história peruana e como seu povo sofreu por conta dela. Também a desesperança da população diante dos problemas políticos. Outros temas abordados pelo autor passam pelo início da AIDS, pelo movimento hippie e outros assuntos ocorridos entre as décadas de 60 a 90.

A escrita de Llosa é enormemente influenciada por escritores franceses. Sua paixão por esse escritores e pela capital francesa é bastante visível. O erotismo por exemplo é fruto de sua admiração por Bataille e Sade.

Eu simplesmente amei cada cena, cada parte do livro.

Livro: Travessuras da menina má

Autor: Mario Vargas Llosa

Editora: Alfaguara

Tradução: Ari Roitman; Paulina Wacht.