Persépolis não foi o primeiro quadrinho que li, mas fazia muito tempo que não lia nada. Ele não só me prendeu, mas me emocionou e mudou muitos conceitos que eu tinha.
Persépolis é a história da própria autora contada em primeira pessoa. Podemos acompanhar junto com a mesma o início do regime muçulmano no Irã. Presenciamos sua infância, onde tinha certeza de que seria a próxima profeta, o impacto do regime na sua vida escolar, sua adolescência na Europa até sua volta para o Irã.
A relação da menina com Deus foi uma parte bastante interessante de ser notada. Todas as noites a menina conversa com Deus de uma forma bastante pessoal. O momento em que Deus se afasta dela foi muito doloroso. Eis o trecho em que suas fantasias esbarram na realidade dura.
Marjane cresce em um ambiente familiar bastante rico intelectualmente. Ela tem contato com livros desde Marx até Descartes. As conversas entre eles também são bastante estimulantes, principalmente mostram como crianças não precisam ser tratadas de uma forma infantilizada. Os livros acompanham a menina durante toda a sua vida, e em muitos momentos são seu único consolo.
Fiquei bastante impactada por descobrir que o uso do véu só foi obrigatório nos anos 1980, pois sempre fui a favor do respeito das diferentes culturas e religiões e acreditei que fosse um costume de séculos. Saber disso me mudou bastante, saber que isso pode acontecer com qualquer lugar (ditaduras não são exclusividade oriental) me assustou.
O período em que Marjane viveu na Europa me mostrou como nós ocidentais somos preconceituosos e queremos que outras pessoas sigam nosso rótulo para elas. A personagem foi acusada de não ser iraniana o bastante. Em muitos momentos precisou negar sua identidade ou era tratada como um animal de circo.
Ver além do nosso ponto de vista é algo que sempre venho trabalhando em mim. O preconceito surge do desconhecimento do outro lado da história. Há um perigo enorme em uma história única, alerta que nos faz Chimamanda Ngozi, escritora nigeriana em um vídeo disponível na internet. Em qualquer história que nos for contada, sempre haverá um outro lado. No caso de Marjane, o outro lado é completamente desconhecido no outro lado do mundo.
A importância de Persépolis ultrapassa a deliciosa leitura de um quadrinho, claro que os traços dos desenhos são fabulosos, mas ele representa a outra história. Ele nos sensibiliza e nos coloca dentro do Irã que não conhecemos, juntamente com o Irã que nós conhecemos. Precisamos ouvir todas as histórias, nem que seja um pedaço dela.