Todo grande escritor, coincidentemente premiado com o Nobel de Literatura, alcança esta marca não por acaso. Essencialmente ele deve possuir um estilo literário único, o que acaba sendo uma inovação dentro desta academia de mestres navegantes, traçando novos caminhos com as letras, motivando notáveis ensaístas a seguirem a mesma rota de raciocínio. Camilo José Cela não foi exceção.
Galego, filho de pai espanhol e mãe inglesa, Camilo José Cela estreou no mundo literário em 1942 com o romance A Família de Pascual Duarte, mas levou todo o mérito em sua obra mais conhecida, A Colméia, de 1951. Por essas e outras, em 1989 foi agraciado com Prêmio Nobel de Literatura.
Outrora falei que para merecer tamanha premiação o escritor deve possuir um estilo singular e inovador, capaz de surpreender toda a comunidade acadêmica. Foi o que aconteceu, e é com imenso prazer que vos apresento esta magnífica obra, Madeira de Lei.
Madeira de Lei apresenta em seu conteúdo histórias lendárias, envolvendo credos, superstições, promessas, causos engraçados, lobisomens, sereias, cancioneiros, curandeiros, suposições, madeira de buxo, que é madeira de lei, previsões, prevaricações, fantasmas, Edgar Alan Poe, línguas, pontos cardeais, ditos populares, espanhóis negligentes, possessões diabólicas, diálogos fascinantes, quatro capítulos, um corcunda francês, narrações irreverentes, caçada ao carneiro de Marco Polo e, acima de tudo o que fora mencionado, tragédias náuticas, e muitos, muitos mais fatos incríveis. Mas isso não é tudo.
Contando com essa gama de informações, Camilo José Cela apropria-se de seu arsenal artístico e estiliza uma escrita magistral. A primeira vista lembra bastante o estilo saramaguiano, com sua inovação gramatical utilizando nada mais que vírgulas e pontos finais em seus romances. Desta informação já é possível ter-se uma ideia do que falo. Acontece que José Saramago utiliza este recurso como separação entre narrações e falas de personagens.
“O cego ergueu as mãos diante dos olhos, moveu-as, Nada, é como se estivesse no meio de um nevoeiro, é como se tivesse caído num mar de leite, Mas a cegueira não é assim, disse o outro, a cegueira dizem que é negra, Pois eu vejo tudo branco, …” (Trecho retirado da obra Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago.)
Camilo José Cela usa e abusa deste recurso em todas as situações, com algumas ressalvas, por exemplo, em alguns diálogos ele usa o travessão para delimitar o espaço de um discurso direto.
“Tempos atrás um cachalote cornudo encalhou na Praia de Traba, algumas pessoas adoecem quando são afastadas das rotinas da vida e da morte, o ruim é não saber perdoar, é necessário ajudar os possessos a vomitarem o demônio que trazem no corpo, com vestes militares levaram o corpo de São Campio para a paróquia de San Ourente de Entíns, em Outes, os dois santos se dão bem,…”
Chego a crer que alguém – Cela ou Saramago? – (re) inventou a maneira do outro.
Inicialmente um texto confuso, mas que, com o decorrer da leitura, se faz crucial em sua construção. Portanto, devem-se içar as âncoras, levantar as velas e aventurar-se por esse mar de genial criação.
Bibliografia
CELA, Camilo José. Madeira de lei. Tradução de Mario Pontes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.